terça-feira, 20 de maio de 2014

Da Mesa Social, a Carta da Origem da Corrupção


A corrupção, a hipocrisia e o povo brasileiro.

Partindo da premissa aristotélica de que o homem é, naturalmente, político, assumimos nossa engenhosidade para atender nossos interesses. Porém, por vivermos em sociedade, não podemos concretizar todo e qualquer desejo, visto que assumimos determinada igualdade de direitos desde o século XVIII. Entretanto, as ideias revolucionárias iluministas desabam frente à implacável ambição humana.

Esse contraditório perfil social reflete, principalmente, nas ações que visam e possibilitam algum benefício, como visto na política brasileira. O lucro é priorizado em lugar das políticas de bem comum (assistência social, por exemplo). O poder burocrático ampliado à custa dos direitos da população. Mas, esses casos são postos em evidência, ocultando o mal maior e matriz dessa situação: a formação do cidadão brasileiro.

O suborno, os jogos ilegais, o desrespeito às filas e diversas outras corrupções dos bons costumes são colocadas como normais pelo simples fato de serem favoráveis a muitos dos 201 milhões de brasileiros. Ou seja, quando a ação corrompe o direito do próximo, é válida. Se afetar a si, o brasileiro reclama do desrespeito. Irônico.

Antes que apareçam os advogados de Lúcifer, me antecipo: não importa se o deputado rouba milhões e você “apenas” uma posição na fila. Ambos são corruptos. Farinha do mesmo saco. Qualquer dúvida, procure um dicionário.

Se a corrupção já é um ato consuetudinário, propostas não faltaram para tentar erradicá-la. De leis draconianas ao linchamento e até ditadura militar. Isso é subestimar nossa capacidade de corromper. O suborno e o camaradismo aumentariam, o jeitinho corruptor apareceria em questão de segundos; além da revolta que causaria em grande parte dos mal educados.

Enquanto a educação e o respeito não forem os pilares da formação do cidadão, de nada adianta reclamar de Brasília. Lá estão os que saíram daqui. A política brasileira é um espelho da população, que é fiel seguidora dos bons costumes e isenta de qualquer responsabilidade, não é?

Não.

Creio que o bom voto não resolveria o quadro do país. A reforma é na base da pirâmide. Nos filhos e nos pais que virão. Enquanto o “jeitinho brasileiro” (expressão que eu fui obrigado a aceitar) for nossa marca, só uma implosão daria chance ao sucesso moral. E olhe lá.

sexta-feira, 16 de maio de 2014

Mesa ou tablet? A carta da militância anti-conectividade

A espetacular internet de casa não funciona, assim como a do meu celular. E olha que não moro no Triângulo das Bermudas. Com a minha “desconectividade” com o mundo, lembro-me das diversas campanhas no molde “largue seu celular”. Sempre achei uma besteira sem tamanho, mas se roda tanto por aí, merece atenção do blog.

É óbvio que hoje as pessoas olham mais para o celular do que 10 anos atrás. Todos querem teclar, compartilhar e conversar por meio do Facebook, Whatsapp e Twitter. Eu, particularmente, curto bastante essa ideia. Mas o que enche o saco é a folclorização em torno do assunto.

Não faltam vídeos, fotos e textos retratando famílias jantando e mexendo no celular ao mesmo tempo. Agora me diga: quantas famílias assim você conhece? Pois é.

Como se fosse uma guerra ideológica, a militância anti-conectividade usa exemplos isolados como regra geral, tocando os corações revolucionários da grande maioria dos nossos queridos jovens. Mas esses mesmos jovens não leram o texto militante no jornal impresso. Muito menos viram o vídeo na fogueira da roda hippie do sábado à noite.

Não pensem que sou a favor do fim da conversa pessoal. É inegável que algumas pessoas se afastam do seu entorno por conta da excessiva conectividade. Porém, esse não é o único lado da moeda.

Por meio do Twitter, por exemplo, podemos nos informar, nos interessar por assuntos variados e conhecer pessoas. Muito mais agradável do que várias conversas por aí. Equilibrar esses pratos é muito mais simples do que alegam.

Se você acredita que o mundo seria melhor sem as redes sociais, não compartilhe vídeos dizendo que “perdemos o amor de nossas vidas por causa de um celular”. Não rola.

Ah! E o celular ajuda a construir e manter muitos relacionamentos. Procure um, militante. (:

quarta-feira, 14 de maio de 2014

Da Mesa Social, a Carta do Legado da Escravidão

Se Joaquim Nabuco já sabia que o maior problema a ser resolvido depois da escravidão era o seu legado, por que nós ainda não o erradicamos?


Hoje, dia 14 de Maio de 2014, completa-se 126 anos que o negro, também na lei, é igual a todos. Nesse mais de século, brancos e negros viveram lado a lado em todos os aspectos. Desde o econômico ao acadêmico, uma igualdade de fazer qualquer Robespierre invejar-se. Quase não dá pra distinguir arianos e afrodescendentes. Bom, sabemos que não é bem assim.

No dia 13 de Maio de 1888, Princesa Isabel abolia a escravidão por meio da Lei Áurea, o que garantia - em tese - a liberdade dos escravos. E como Joaquim Nabuco disse em seu livro, A Escravidão, o problema maior seria acabar com o legado da escravatura no Brasil. Bingo.

Nos anos seguintes, viu-se a profecia de Nabuco se concretizando: milhares de ex-escravos sem casa, sem comida, sem emprego e sem cidadania. Nenhum programa de realocação social foi posto em prática, e os reflexos são claros aos que querem enxergar.

Agora dizemos que Monteiro Lobato era um malvado racista, que Hitler estava errado, já que todos somos iguais, e até ironizamos o racismo tirando fotos com bananas. Enquanto isso, o negro tem maior dificuldade em arrumar emprego. Enquanto isso, o negro recebe um menor salário. Enquanto isso, o negro está marginalizado. E você tirando foto com banana.

Obviamente que os tempos são incomparáveis. Hoje a desigualdade é menor que no século anterior. Mas não se empolguem, porque ela ainda existe: e é gritante.

Por não aceitarmos os fatos que não destruímos o legado da escravidão. Fechamos os olhos e dizemos que está tudo bem, fingindo que cuspe é chuva. Venho lhe falar que não é. Gritamos uma igualdade falsa, que existe a quem não é "menos igual". Pergunte a um afrodescendente se ele já foi discriminado por sua cor de pele. Se negativo, pode dormir em paz.

Se o Estado é quem tenta integrar o negro, a culpa é nossa. Do preconceito que não matamos. Um dia, espero, seremos todos iguais de fato. É só entender que a luta não acabou, e que podemos dar o apito final. Que Nabuco se orgulhe, mesmo que tardiamente, da borracha que passaremos na maior mancha da nossa história.

domingo, 11 de maio de 2014

Da Carta do Dia das Mães, Fernando Sabino

Nesse dia especial, uma crônica sobre uma pessoa especial. Da Mesa Dia das Mães, a Carta de Fernando Sabino, "Menino".


"Menino venha pra dentro, olhe o sereno! Vá lavar essa mão. Já escovou os dentes? Tome a bênção a seu pai. Já pra cama!  

Onde é que aprendeu isso, menino? Coisa mais feia. Tome modos. Hoje você fica sem sobremesa. Onde é que você estava? Agora chega, menino, tenha santa paciência.

De quem você gosta mais, do papai ou da mamãe? Isso, assim que eu gosto: menino educado, obediente. Está vendo? É só a gente falar. Desça daí, menino! Me prega cada susto... Pare com isso! Jogue isso fora. Uma boa surra dava jeito nisso. Que é que você andou arranjando? Quem lhe ensinou esses modos? Passe pra dentro. Isso não é gente para ficar andando com você.

Avise a seu pai que o jantar está na mesa. Você prometeu, tem de cumprir. Que é que você vai ser quando crescer? Não, chega: você já repetiu duas vezes. Por que você está quieto aí? Alguma você está tramando... Não ande descalço, já disse! Vá calçar o sapato. Já tomou o remédio? Tem de comer tudo: você acaba virando um palito. Quantas vezes já lhe disse para não mexer aqui? Esse barulho, menino! Seu pai está dormindo. Pare com essa correria dentro de casa, vá brincar lá fora. Você vai acabar caindo daí. Peça licença a seu pai primeiro. Isso é maneira de responder a sua irmã? Se não fizer, fica de castigo. Segure o garfo direito. Ponha a camisa pra dentro da calça. Fica perguntando, tudo você quer saber! Isso é conversa de gente grande. Depois eu dou. Depois eu deixo. Depois eu levo. Depois eu conto.

Agora deixa seu pai descansar - ele está cansado, trabalhou o dia todo. Você precisa ser muito bonzinho com ele, meu filho. Ele gosta tanto de você. Tudo que ele faz é para o seu bem. Olhe aí, vestiu essa roupa agorinha mesmo, já está toda suja. Fez seus deveres? Você vai chegar atrasado. Chora não, filhinho, mamãe está aqui com você. Nosso Senhor não vai deixar doer mais.

Quando você for grande, você também vai poder. Já disse que não, e não, e não! Ah, é assim? Pois você vai ver só quando seu pai chegar. Não fale de boca cheia. Junte a comida no meio do prato. Por causa disso é preciso gritar? Seja homem. Você ainda é muito pequeno para saber essas coisas. Mamãe tem muito orgulho de você. Cale essa boca! Você precisa cortar esse cabelo.

Sorvete não pode, você está resfriado. Não sei como você tem coragem de fazer assim com sua mãe. Se você comer agora, depois não janta. Assim você se machuca. Deixa de fita. Um menino desse tamanho, que é que os outros hão de dizer? Você queria que fizessem o mesmo com você? Continua assim que eu lhe dou umas palmadas. Pensa que a gente tem dinheiro para jogar fora? Tome juízo, menino.

Ganhou agora mesmo e já acabou de quebrar. Que é que você vai querer no dia de seus anos? Agora não, que eu tenho o que fazer. Não fique triste não, depois mamãe dá outro. Você teve saudades de mim? Vou contar só mais uma, que está na hora de dormir. Agora dorme, filhinho. Dê um beijo aqui - Papai do Céu lhe abençoe. Este menino, meu Deus..."

segunda-feira, 5 de maio de 2014

Da Carta Política, Nicolau Maquiavel

A Mesa do primeiro post é a da Política, meu tema preferido. A Carta é o coringa florentino: Niccolò dei Machiavelli.

Nicolau Maquiavel (1469) nasceu em Florença, Itália. Com sólida formação humanista, foi diplomata, filósofo, dramaturgo e poeta. Cresceu lendo Tito Lívio, Tucídides, Plutarco, Virgílio e seus contemporâneos Dante e Bocaccio. Viu os Médici dominarem Florença até 1494, ascendeu na diplomacia e fora privado de seu cargo quando o Cardeal João de Médici entrou na cidade florentina e reformou a administração. Posto como conspirador, foi preso e torturado. Reconhecida sua inocência, foi para o Albergaccio, onde escreveu seu "opúsculo". Onde escreveu O Príncipe¹.


Depois de 500 anos, ainda há divergências quanto a interpretação da obra, principalmente ao traçar seus prováveis objetivos. O fim de presentear Lourenço de Médici é dos mais aceitos, porém, de menor relevância. O que levaremos aqui em conta é a intenção de fazer um Speculum principis, prática muito comum na época que consistia em escrever um "espelho" para príncipes, verdadeiros manuais.

Muitos se preocuparam em definir como o mundo deveria ser, o que sempre passou longe da realidade. Maquiavel demonstra sua engenhosidade ao "escrever coisa útil a quem se interesse"², perseguindo "a verdade efetiva da coisa do que aquilo que se imaginou sobre ela". Assim, ao rastro do real, traçou métodos e posturas que colidiram com as tradições cristãs da época e revolucionaram a dialética política.

Citando diversas qualidades desejadas em todos os homens - principalmente nos príncipes -, Nicolau diz que "não se pode tê-las inteiramente, já que as condições humanas não o permitem". Também concluiu que entre ser temido e amado, é preferível ser os dois. Se não o pode, antes ser temido, pois o homem que ama também trai, já o que teme não o faz. 

A partir dessas constatações, estudiosos sintetizaram sua obra na frase "os fins justificam os meios", o que dá a impressão de que qualquer fim justifica qualquer meio, tese não desenvolvida pelo autor. Também surgiu o adjetivo "maquiavélico", mais pela frase geral e leviana do que pelo estudo de O Príncipe.

Usando o significado empregado em "maquiavélico", conclui-se que o maquiavelismo surgiu antes mesmo de Maquiavel, visto que o autor retrata em seu opúsculo a realidade anterior e contemporânea a ele: uma realidade, realmente, maquiavélica.

Apesar de conclusões divergentes, é inegável a importância de O Príncipe. Poucas foram as análises prévias tão meticulosas quanto a de Nicolau. Por mais que discordem de seu conteúdo, sua ideia faz-se necessária na sociedade. O ideal é longe demais para nos dar ao luxo de fingir que existe. Antes do utópico existe o real. E é neles que vivemos. Ave, Maquiavel.


¹PDF disponível e divulgado por ser domínio público
²Tradução literal retirada de MAQUIAVEL, N. Il Principe